Saudações.
Sei que ando muito afastado do Blog, infelizmente, mas é justificável, tenho estado muito atarefado, muito mesmo, afinal tocar uma cervejaria sozinho não é tarefa fácil, principalmente quando você é o mestre cervejeiro, o consultor em cervejaria, o instrutor, o comprador, o vendedor, o administrador e administrativo da empresa, o faxineiro, o mecânico, o eletricista, o controle de qualidade e o guia turístico, enfim, mas o importante é que estou muito feliz e satisfeito com a trabalheira toda, pena não poder mais dedicar um maior tempo ao Blog, mas vamos indo na medida do possível. Comentários feitos.
Gostaria de traçar aqui um detalhamento do que hoje me parece estar causando uma certa confusão generalizada no mercado cervejeiro, principalmente vindo de pessoas que deveriam ter como base a diferenciação das coisas que acabarei por escrever logo adiante.
Verdade seja dita, há muitos críticos e pessoas contrárias à tentativas como as do BJCP e do BA para delinear uma grande gama de estilos internacionalmente conhecidos, porém isso é imensamente necessário - já falei disso aqui no blog outras vezes - pois se traduz numa forma de identificação das cervejas, onde quer que você esteja, assim pode comprar uma bebida que lhe agrade, independentemente da marca, em boa parte do mundo com a certeza de que estará apreciando um estilo como o que deseja beber e não algo qualquer que alguém resolveu chamar daquilo sem que na realidade o seja.
Exemplificando, esses dias alguém me disse que viu por aí uma "Pale Stout", vejam só o que é isso (lembrando a todos que não vi isso aqui no Brasil ainda, ouvi falar, mas mesmo assim minha crítica não é para o adepto desse termo, mas sim ao descaso aos estilos, mesmo que esse seja historicamente algo que já existiu, mas que não persistiu por alguma boa razão). Ora, uma "pale" se pressupõe pálida! E o que se conhece de "stout" em estilos definidos se pressupõe Preta. Com exceção do "P" inicial e de um "a", nenhuma semelhança.
Há também por aí as "White Stouts", aqui vai um link para uma reportagem interessante sobre alguém que se defende em fazer uma White Stout, mas critica quem faz uma Black IPA.... no dos outros é refresco né... e diga-se de passagem deveria ser "Yellow Stout", porque de branca a dele não tem nada.
Mas ele até usa um bom argumento sobre o histórico surgimento das stouts a partir das porters, porém, na minha opinião, distorce o fato a seu favor na medida em que sugere que o termo stout se deveu ao fato de estivadores preferirem as porters mais FORTES e não pelo fato de serem ESCURAS, podendo assim ser uma stout amarelitcha, desde que seja forte....bolshit... mas está aí o link:
Neste outro há até um registro antigo de uma delas (foto abaixo) mas inferindo que P. Stout seria Pale Stout, porém eu interpretaria como "P" de "Porter Stout", que era assim chamada a dita cuja antes de descolar como estilo independente:
Voltemos a minha opinião. Mas, o que é ser pálido?
Apelemos aos dicionários:
Pálido:
1. Descorado, amarelado. 2. Desbotado, frouxo, tênue. 3.
Sem animação, sem colorido. 4. Que perdeu a cor forte. 5. Demasiadamente branco ou amarelo. 6. Fraco,
pouco vivo.
Sinônimos de Pálido: lívido, lúrido, empambado
Já em cerveja, pálido se aplicaria a algo que é diferente do Preto ou do Marron ou do Amarelo, pois se não o fosse levariam o nome da cor correta, mas que ainda assim tem sua tonalidade mais fraca do que o tradicional. Lembremos que as Ale inglesas eram de tonalidades fortes, mais escuras do que as cervejas mais leves de outros países e que a Pale Ale surgiu devido ao fato de se ter criado uma Ale mais clara; apesar de que para os ingleses o estilo é nada mais do que uma bitter em garrafa. O americano é que gosta bastante desse estilo e curte ele mais clarinho.
Ora, as cervejas do estilo "stout" são conhecida desde muito por serrem cervejas ESCURAS, a maioria muito escura, no mínimo 20 SRM (diga-se de passagem que essa numeração significa algo próximo de "MARRON ESCURO" no mínimo, sendo que mais comumente elas estarão com 30 ou 40+ (o que significa de MUITO ESCURO A ESCURO). Enfim, como uma stout pode ser "pale" ou pálida??? Teria que estar com menos de 18 SRM para ser BROWN e pelo menos 4 SRM para ser PALE... deu pra entender????
No mínimo esquisito.
O engraçado é que no início do Blog fiz uma postagem onde coloco que o caseiro tem liberdade total para criar suas cervejas, pois não precisa ter compromisso com estilos, afinal não registrará suas cervejas comercialmente e tudo mais, em tom de brincadeira até escrevo que o caseiro poderia resolver criar uma "stout amarela", mas que isso só ilustra a liberdade dele em fazer cerveja, e não quer dizer que isso é adequado (mas não é que a danada existia mesmo? Bom, pra quem concorda; eu não acho a ideia bacana, mas é só minha opinião) afinal não é só a cor que dirá que cerveja você aprecia, mas outras tantas características que acabarão por impedir tais criações (ou aberrações). Está aí a questão da criação de um guia de estilos, evitar que você compre algo que na verdade não é o que você queria.
Entretanto, esse é um ponto extremamente importante também, a beleza da definição de estilos - na minha opinião - está na flexibilidade. Não há nenhum estilo sequer que reze ao cervejeiro que ele não pode flexibilizar, ou seja, nada é engessado como alguns pregam por aí. Vamos aos fatos, peguemos um estilo como ilustração para facilitar o entendimento de "onde quero chegar" com esses esclarecimentos.
Por que não uma Oktoberfest, que não por acaso foi a estrela (quase apagada) de nosso último concurso Paulista. Colocarei somente informações vitais e pontos principais para não me delongar deveras:
Coloquei o American Style somente para evitar que alguém pense que não sei que ele existe, mas observem que os estilos, embora tenham algumas variações, não fogem muito um dos outros, principalmente se considerarmos somente os dois estilos com foco na Oktoberfest alemã.
Até aqui tudo bem? Agora para entender o que objetivo com esta postagem, vai uma questão:
Imaginem se resolvemos criar uma Oktoberfest Preta e isso passa para uma cerveja comercialmente aprovada e vendida por aí?
Seria um grande problema para o consumidor que aprecia o estilo baseado na cerveja que foi criada na Alemanha há muitos anos (estamos falando dos idos de 1840) se deparar com uma Oktoberfest preta.... ou alguém aí não concorda?
Continuemos; falando agora de características "desejadas" para que sua cerveja possa ser chamada de Oktoberfest com um mínimo de assertividade (desde já me desculpem pela tradução simplificada, mas minha intenção é, e sempre foi, deixar as coisas o mais claras quanto possível):
Quero que leiam com atenção foquem às palavras em vermelho, elas são as chaves para a correta avaliação de um estilo, no nosso caso a Oktoberfest. Eles até indicam (no caso do BJCP) de que maltes você pode obter essa riqueza.
Vejam que o aroma de malte é imprescindível e precisa ser "rico" ou seja, dominante, aparente.
A cor, embora haja um "range" largo (somando as duas guias de estilo) que vai de palha a vermelho-alaranjado profundo (que não é cobre, diga-se de passagem), mas atentem para o que ambas consideram explicitamente o "Dourado", essa é uma das pistas para não errar na elaboração da sua cerveja, mas não quer dizer que é obrigatório ser dourada.
O sabor de malte é necessário, o de lúpulo não deve aparecer, frutados nem pensar e muito menos diacetil, vejam, defeito nenhum é admitido OK, isso não precisa aparecer no texto por ser subentendido, ninguém quer cerveja com defeito, mas o diacetil é taxativamente citado para que o cervejeiro observe, de máxima atenção a isso durante o fabrico de sua bebida.
Enfim, percebam que há flexibilidade, você pode atender a todos, preferencialmente, porém muitas vezes um ou outro fica aquém do recomendado, mas não o tira do estilo. O que o tira do estilo é não atender a algo obrigatório. Voltando ao nosso exemplo supra citado, não dá pra ter uma Oktober preta, não só pela cor que estaria fora do recomendado, mas também pelo torrado que quase sempre virá com o malte escuro utilizado (e mesmo para os espertinhos que dirão que podem colocar caramelo de milho como as grandes fazem para deixar a cerveja preta, o dulçor residual ou o teor alcoólico resultante o tirariam dessa parada). Vejam então que não se trata de obrigar alguém a seguir o estilo, mas direcionar esse alguém a produzir algo condizente ao estilo. Insisto que, ninguém precisa seguir esses guias, mas se dignem a não batizar suas aberrações com o mesmo nome desse mesmo estilo de um guia que você não quer seguir, easy man.
Não quero me delongar, espero que tenha sido esclarecedora a postagem e gostaria muito de me surpreender positivamente daqui para a frente me deparando com avaliações adequadas, centradas em características, baseadas em palavras chave que devem ser consideradas, e não algo pessoal, voltado para "a marca da cerveja desse estilo que eu gosto", pois não temos rigidez absoluta nesses guias, ainda bem, porque se assim fosse não teríamos a variedade de cervejas que temos, imaginem se toda Dry Stout tivesse que ser igualzinha a Guinness (embora fantástica) não teríamos a Beamish ou Murphy's e outras tantas por aí. Imaginem se toda Hefeweizen tivesse que ser igual a Erdinger (novamente muito boa), mas não poderíamos ter outras variantes, ora, todas teriam que ser exatamente iguais a ela?
Abram suas cabeças para a flexibilidade dos estilos, todos eles sem exceção possuem um intervalo de parâmetros e um conjunto de características que são um misto de obrigatórias, desejáveis e não obrigatórias o que permite a grande gama de cervejas diferentes entre si de estarem dentro de um mesmo estilo. Muita atenção para cobrar as obrigatórias e não desmerecer um exemplar por não apresentar algo que não seja mandatório.
Minha eterna sugestão, antes de sair por aí avaliando cervejas estude detalhadamente os estilos (ninguém precisa decorar todos, OK), mas saiba pesar o que deve ou não estar presente e abstraia-se de suas preferências quando estiver analisando algo, dê seu parecer sobre a bebida separadamente da sua opinião, sempre. Não é porque o camarada bebe bastante, conhece tudo quanto e cerveja comercial, sabe as marcas e os nomes que ele saberá avaliar sua cerveja, no máximo ele saberá dizer se gostou dela ou não, entendem a diferença abismal dessas duas coisa? Portanto:
1. Estar no estilo é uma coisa.
2. A cerveja estar boa é outra coisa.
3. Você gostar da cerveja é outra coisa diferente das duas anteriores.
Por fim, o BJCP também apresenta exemplos comerciais que estão em concordância com seu guia de estilo, porém não se esqueçam, são exemplos, eles entre si podem ser e são diferentes, mas TODOS estão dentro do estilo. Façam o teste, abaixo coloco os exemplos de Oktoberfest citados no BJCP, escolham alguns, bebam todos, mas comparem no mesmo momento de degustação vários deles e constatem que estar no estilo não é ser igual a somente um deles e até pode ser diferente de todos no geral, mas precisará sempre apresentar características obrigatórias e por vezes as desejáveis para proporcionar uma boa apreciação de sua cerveja.
Exemplos comerciais citados pelo BJCP no estilo 3B. Oktoberfest:
Paulaner Oktoberfest, Ayinger Oktoberfest-Märzen, Hacker-Pschorr Original Oktoberfest, Hofbräu Oktoberfest, Victory Festbier, Great Lakes Oktoberfest, Spaten Oktoberfest, Capital Oktoberfest, Gordon Biersch Märzen, Goose Island Oktoberfest, Samuel Adams Oktoberfest (a bit unusual in its late hopping).
Aproveito também para enviar um recado aos muitos "pseudo experts" que temos vagando por aí, alguns renomados: Nos aproximamos do fim da era do "em terra de cego quem tem um olho é rei".
Muita gente se aproveitou da onda cervejeira que se iniciava para pular nas pontas e aparecer num cenário onde quase ninguém sabia nada sobre a bebida e passaram a ser celebridades, alguns deles nem sequer sabem como se faz cerveja ou como se corrige algum erro de produção para poder opinar; porém essa era está para acabar, sua vitalidade se exaure a cada dia e uma nova fase já se estabeleceu, não sejam alheios aos estudos da cerveja, o cervejeiro brasileiro, principalmente o caseiro e o consumidor mais atento não deixarão mais passar suas opiniões infundadas e baseadas nas suas preferências.
Aos cervejeiros:
Antes de disparar um estilo, procure ler sobre ele, procure provar exemplares comerciais para se orientar (sobre o que quer e sobre o que não quer na sua cerveja), peça ajuda a outros cervejeiros, procure alguém para lhe orientar sobre os estilos e seus processos para atingir suas características e o mais importante, se sua cerveja não estiver pelo menos livre de todos os pontos em que os guias de estilo esclarecem como sendo "indesejáveis", "ausentes", "imperceptíveis", que "não devem conter", entre outras palavras utilizadas por eles, não as considere como sendo um representante do estilo, dê a ela outro nome (mesmo que seja Pale Stout..., mesmo que seja Wit IPA...outra pérola...ou uma Pilsen Ale..."Jesus"...) mas deixe claro aos consumidores a quem oferecerá a cerveja de que essa é uma criação sua, sem semelhança com outra cerveja qualquer.
Estudem, façam cursos, se informem, testem suas receitas, sempre as repita se houver alguma inconsistência ou erro entre o que planejou e o que obteve realmente e, somente depois disso tudo a ofereça para as pessoas ou a envie para um concurso.
Inventar é legal, resgatar coisas esquecidas também, mas vamos com calma e bom senso. Sei que em breve teremos uns 100 rótulos de "Pale Stout", "White Stout" ou "Yellow Stout" no Brasil, acredito que será inevitável. Continuo não gostando da ideia.
Pra quem tem "Pilsen de milho" com 78% do market share, não vai ser nenhum problema.
Fiquem em paz.
Saúde!!!
Breda